Morreste Celeste,
Tu que das tuas mãos ofereceste a Portugal
O gesto poético em flor
Cravos vermelhos envoltos em pura alegria:
a conquista da nossa liberdade!
Celeste Caeiro faleceu no passado mês de Novembro, dia 15. No dia anterior, eu regressara a uma casa que me acolheu na minha adolescência, falo da ACERT. Foi nessa casa, precisamente, que formei parte da minha identidade social e artística. Aprendi o poder da força coletiva, o amor ao teatro e à arte, o espírito louco da genialidade quando estamos em cena e nos tornamos seres gigantes, supra-humanos. Também foi lá que aprendi a importância de celebrar aquele dia em que todos saíram à rua, alguns provavelmente, sem saber ao certo o que se passava, movidos pela possibilidade de um novo começo, de uma nova era livre e democrática. De braços erguidos, atingidos pelo espanto e alegria, gritavam o povo unido jamais será vencido!
A Celeste ia trabalhar. Afinal não pôde fazê-lo porque havia qualquer coisa que estava para acontecer: a revolução. Entretanto, levou com ela os cravos frescos que já não iriam servir de ornamento e oferta aos clientes do restaurante onde trabalhava, e ao passar por uma chaimite, comovida muito provavelmente, apontou um cravo a um soldado que o recebeu e colocou na ponta da espingarda. Uma revolução florida. O fim do medo. Temor e silêncio, prisões e torturas findados! O cinzentismo português estava prestes a ruir. Ferida e mágoa poderiam agora, lentamente, ser curadas com o devido cuidado, poder-se-ia finalmente trabalhar e restabelecer um espaço seguro para todos, onde a sociedade civil pudesse contribuir e mover-se em direção à constituição de um estado de direito.
O 25 de Abril é o dia mais bonito de Portugal. Abril deve ser tratado e cuidado com muito carinho. O tempo passa, os que fizeram parte da resistência começam a desaparecer e conclui-se que há uma tendência para o esmorecimento da memória coletiva e da importância de determinados valores. Eu acredito com muito entusiasmo nas novas gerações: tudo muda e se transforma, e que lindo que isso é! Resta-nos pacientemente resistir perante aqueles que tentam envenenar o coração de Abril, diariamente mover-nos em direção ao outro e não contra o outro, do amor à liberdade ter a coragem de abraçar toda a gente e não ter medo de continuar a lutar, sair para rua e almejar a contínua (re)construção que Abril nos ofereceu.