Pesquisadores, especialistas em saúde pública e economistas de 14 países manifestaram, através de uma carta, preocupação com a retirada dos refrigerantes da lista de bens taxados pelo Imposto Seletivo, o chamado “imposto do pecado”.
O primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária foi aprovado na última quarta-feira (11) na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. Agora, a carga tributária desses itens será reduzida em mais de 50% após a entrada em vigor da reforma. O projeto pode ser aprovado pela Câmara nesta semana.
Conforme carta endereçada às lideranças do governo e do Congresso, a medida representa um “grave retrocesso” na saúde pública e nos esforços para o enfrentamento da crescente epidemia de doenças associadas à alimentação, como obesidade e diabetes tipo 2.
Assinam a carta cientistas que representam grandes instituições internacionais, como Walter Willett (Universidade de Harvard, EUA), Mike Rayner (Universidade de Oxford, Reino Unido), Oliver Mytton (Universidade de Cambridge, Reino Unido), Franco Sassi (Imperial College London, Reino Unido), Gyorgy Scrinis (Universidade de Melbourne, Austrália), Mary L’Abbé (Universidade de Toronto, Canadá), Barry M. Popkin (Universidade da Carolina do Norte, EUA), Corné van Walbeek (Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul) e Juan Rivera Dommarco (Instituto Nacional de Saúde Pública, México).
Também é um dos signatários Carlos Monteiro, epidemiologista pela USP (Universidade de São Paulo) e criador do termo ultraprocessados na literatura científica, usado para caracterizar alimentos repletos de aditivos e poucos ingredientes in natura.
De acordo com estudos, no Brasil, as bebidas açucaradas respondem, por ano, por cerca de 13 mil mortes e mais de 20% dos casos de sobrepeso e obesidade infantil, problema que já afeta 2,9 milhões de crianças. Os pesquisadores destacam que o sistema de saúde brasileiro gasta cerca de R$ 3 bilhões por ano no tratamento de doenças relacionadas ao consumo dessas bebidas.
Segundo os signatários, a decisão da Comissão contraria a posição do país como exemplo a ser seguido no que diz respeito a políticas públicas de saúde. Estudos já publicados mostram que os impostos podem reduzir significativamente o consumo de bebidas açucaradas.
“Desde a criação do termo ‘alimentos ultraprocessados’, o Brasil se destaca como pioneiro em levantamentos que ligam esses itens ao surgimento de mais de 30 doenças, o que torna a decisão ainda mais preocupante”, destacam.
Hoje, 81 jurisdições de países implementam impostos sobre bebidas açucaradas. Nações latinas, como México e Colômbia, já estenderam a tributação para alimentos ultraprocessados como um todo. “O Brasil não pode ficar para trás na proteção da saúde de sua população”, dizem.
O coordenador de advocacy da ACT Promoção da Saúde, Marcello Baird, destaca que cada vez mais países vêm tributando as bebidas açucaradas e, por isso, o Brasil vai na contramão do mundo, se o texto continuar como está.
Mas ainda que a isenção de refrigerantes fosse revertida, o passo ainda seria tímido em relação aos avanços internacionais. “Desses 81 países, só dois, Nigéria e Montenegro tributam apenas refrigerantes”, afirma. Os demais tributam bebidas açucaradas como um todo.
A tributação de produtos nocivos à saúde conta com apoio de 94% da população, segundo pesquisa Datafolha de 2023.